Passou um furacão, foi arrastando tudo e rompendo os laços,
destruidor e silencioso, marcou o espaço. Mas eu sobrevivi escondida bem ali,
sem rumo nem direção, desnorteada, entediada, com um vazio no coração. E
demorou a passar, foi um tempo diferente, sem nada em mente, o viver
simplesmente, angustiante e deprimente. Um exercício diário de superação, um
passo contínuo para aceitação, trabalho árduo e necessário para reconstruir
dentro de mim um santuário. Caprichoso em cada detalhe, um processo
perfeccionista, pra que? Em poucos minutos estava entregue novamente ao seu
carrasco, que bagunçou e deixou devasto todo canto.
Mas a faísca é sempre acionada quando eu não respeito os limites da superficialidade
humana. E vejo queimar, e sinto arder, vejo a chuva apagar, e sinto a gota
d’água doer, mas nem por um segundo estou disposta à sucumbir, minha carne é
couro duro demais pra qualquer um ferir, meus nervos de aço suportam toda essa
carga e você ainda me verá sorrir. As pedras estáticas invejam a sutileza dos
meus movimentos, apreciam toda graça que eu faço deste momento e se decepcionam
quando eu fraquejo. As flores mais delicadas e bonitas me acolhem como
semelhante pelo perfume que exalo, mas morrem secas quando se deparam com a
minha falta de pudor, exagero de amor, audácia de não temer a dor.
Então eu migro para o mar, e me deixo afogar, eu passeio pelo
ar, e aprendo a voar. Entretanto percebo que aqui ou lá nada é tão diferente,
dentro deste ovo onde tudo é ciclo não há impulso suficiente para romper a
tangente, a profundidade destas relações terrenas só permite mergulhos rasos, e
eu continuo tentando. Não há nada antes nem depois, ou se contenta com o agora
ou cai fora. E de galho em galho eu vou brincando sem perder a estabilidade, usufruir
até das pessoas mais torpes é uma excelente habilidade.