segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Sanguessuga

Eu andei sob cacos de vidro quando vagava, sem rumo, perdida na escuridão do fundo dos teus olhos. Alucinada por um futuro que não fazia o menor sentido, iludida por um passado igualmente confuso, não conseguia deixar o presente se apresentar. Mas assim que os primeiros raios de sol surgiram no horizonte eu soube que a longa caminhada havia terminado e exausta deitei sob a grama ainda umedecida pelas ultimas lágrimas que deixei cair. Naquele instante a brisa soprava suavemente arrepiando todo meu corpo, o sol cada vez mais alto brilhava e aquecia toda superfície. Este ser se aproximou e seu perfume era a perfeita tradução da liberdade, suas asas abriam-se graciosamente sem ferir os demais, seus átomos também conversavam com os meus. Não era mais um vício incontrolável que me consumia enquanto eu definhava por dentro, era agora uma presença confortante que curava todas as feridas com amor e cuidado. Outro dia, vi até uma flor brotar quando ele se distraiu, esqueci de lhe contar, mas sei que ele sentiu. Precipitando, gota a gota, sentia a chuva que molhava nossos corpos em conexão, correspondendo em silêncio o palpitar do coração.


Ventou forte e as lágrimas choviam novamente numa grande tempestade enquanto apagavam as últimas brasas de um incêndio que atingiu grande parte do lugar. E pela manhã ainda havia uma fumaça densa, o chão ainda estava quente quando eu decidi sair, os pés cansados arrastavam-se outra vez pela longa estrada. Caminhando como uma loba solitária, enojada pelo cheiro de carniça que exalava na falsidade dos abutres. Saboreei cada instante, pude escrever bastante, esse teatro foi muito rentável, mas a platéia já se levantou e foi embora. Quando as cortinas se fecham e as máscaras caem os atores agradecem pela merda e eu abandono a personagem aos poucos, desperdiço energia, deixo exaurir o corpo e a mente. Preciso de um minuto de silêncio pra me recompor, não me considero pronta para o próximo trabalho. 

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