Eu andei sob cacos de vidro quando vagava, sem rumo, perdida na
escuridão do fundo dos teus olhos. Alucinada por um futuro que não fazia o
menor sentido, iludida por um passado igualmente confuso, não conseguia deixar
o presente se apresentar. Mas assim que os primeiros raios de sol surgiram no
horizonte eu soube que a longa caminhada havia terminado e exausta deitei sob a
grama ainda umedecida pelas ultimas lágrimas que deixei cair. Naquele instante
a brisa soprava suavemente arrepiando todo meu corpo, o sol cada vez mais alto
brilhava e aquecia toda superfície. Este ser se aproximou e seu perfume era a
perfeita tradução da liberdade, suas asas abriam-se graciosamente sem ferir os
demais, seus átomos também conversavam com os meus. Não era mais um vício
incontrolável que me consumia enquanto eu definhava por dentro, era agora uma
presença confortante que curava todas as feridas com amor e cuidado. Outro dia,
vi até uma flor brotar quando ele se distraiu, esqueci de lhe contar, mas sei
que ele sentiu. Precipitando, gota a gota, sentia a chuva que molhava nossos
corpos em conexão, correspondendo em silêncio o palpitar do coração.
Ventou forte e as lágrimas choviam novamente numa grande
tempestade enquanto apagavam as últimas brasas de um incêndio que atingiu
grande parte do lugar. E pela manhã ainda havia uma fumaça densa, o chão ainda
estava quente quando eu decidi sair, os pés cansados arrastavam-se outra vez
pela longa estrada. Caminhando como uma loba solitária, enojada pelo cheiro de
carniça que exalava na falsidade dos abutres. Saboreei cada instante, pude
escrever bastante, esse teatro foi muito rentável, mas a platéia já se levantou
e foi embora. Quando as cortinas se fecham e as máscaras caem os atores
agradecem pela merda e eu abandono a personagem aos poucos, desperdiço energia,
deixo exaurir o corpo e a mente. Preciso de um minuto de silêncio pra me
recompor, não me considero pronta para o próximo trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário